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Parque Estadual do Juquery

Sábado de sol resolvemos prosseguir com o projeto de trilhas e caminhadas, afinal já fazia um bom tempo que não voltava para a natureza. Listinha forrada de pendências, queremos optar por algo sem muitas pretensões de aventura, uma vez que o Carlota não poderia ir porque tinha que trampar na obra. Navegando pela net, entro no mochileiros.com e decido, sem pestanejar, partir para o Parque Estadual do Juquery. Na verdade eu já o conhecia, pois quando trabalhava no PE da Cantareira eu havia feito uma visita técnica ao Juquery.

No metrô indo encontrar a Muller, percebo que esqueci em casa o relato do Jorge Soto que havia impresso, até tinha ajeitado bonitinho para caber em menos folhas, paciência. 08:40, por algum milagre, partimos da Barra Funda em direção à Franco da Rocha. Cabe ressaltar que foi a primeira vez que a Muller não atrasou, aliás, chegou 20 minutos antes do horário! Não deveria ser um bom presságio.


Enquanto refletia sobre estar fazendo o meu caminho habitual de trabalho durante o final de semana uma cena insólita: um cidadão falando ao telefone resolve anotar alguma coisa. Ele pega a caneta, testa na perna direita da bermuda (sim, na bermuda), fica riscando, e depois anota o recado na perna esquerda da bermuda!!! Ele poderia escrever no braço, na perna, na testa, no trem... mas não, ele escreveu na própria roupa!!! Pelo menos tinha ar-condicionado (alegria de pobre) e muitos minutos de viagem depois desembarcamos em Franco da Rocha.


Tendo como base o que lembrava do relato do Jorge, logo localizamos o ponto do bumba que nos levaria até o parque, linha Mairiporã. 10 minutinhos de espera, tempo para comprar um salgado e um suco por R$ 2,50 o combo, e já embarcamos no coletivo. Sabíamos que a distância era pequena, e em alguns minutos de "Estrada do Governo" avistamos uma placa: Parque Estadual do Juquery". Dei sinal e descemos no próximo ponto. Burro né, anta mentecapta. Eu sabia que o ponto correto era no corpo de bombeiros, e não havia nenhum por ali! Retornamos até a plaquinha e avistamos uma entrada para o parque, sendo prontamente recebidos pelo segurança que já nos mostrou o banheiro desejando bom passeio. 



Iniciamos a caminhada, portanto, pela outra extremidade da trilha do Rio Juquery. Aqui falta sinalização, não tinha nenhum mapinha e nem placas de distâncias. Sabíamos apenas a direção e fomos caminhando pela trilha (estrada). Logo surge uma bifurcação e rumamos pela direita. Era o início da trilha do "Ovo da Pata". Aliás, puta sol. Rachando... seguimos por uma subidinha e alcançamos um enorme descampado de terra vermelha que salta aos olhos. Era a antiga pista de pouso. Logo uma placa indicava que estávamos no caminho certo. Mais à frente chegamos ao quiosque da Siriema. Milhares de vespas, muitas mesmo. Renovamos nossa água (tava fervendo) na torneira, exploramos um pouco por ali, algumas fotos e perspectiva visual do que nos aguardava. Sem mais delongas continuamos, sabíamos que a caminhada era longa (13,4 km) e o sol iria piorar.

Muitos ciclistas e alguns andarilhos pelo caminho. Seguimos tostando até a torre de observação. Aqui a paisagem já fica  mais interessante porque surgem muitas árvores com troncos retorcidos e cascas queimadas, bem cerrado, bonito. Chegando na torre, decepção, o acesso estava trancado com cadeado... pior que tinha visto na internet várias fotos da galera na torre e estava crente que iria subir... paciência. Mais algum martírio térmico e alcançamos a árvore solitária. Paradinha para descanso e colocar açúcar no sangue. Uns ciclistas que ali estavam seguem por uma parte de acesso proibido, preferimos continuar na trilha normal e retornamos. Sobe desce morros, sol, muito sol, destaque para várias borboletas azuis, vermelhas, amarelas... lindas... várias flores também... urubus, gaviões e carcarás... rola uma fauna ali... anda, anda, anda e nada de chegar ao tal Ovo da Pata. Era possível avistá-lo, assim como dezenas de trilhas nos morros próximos, ainda não entendiamos direito qual o caminho a seguir.


Muitos minutos depois alcançamos uma plaquinha, já no sopé do morro, que indica uma trilha circular no Ovo da Pata (2,6 km). Saímos então da estrada e fomos subindo pela vertente do morro. Muito sol mas é rápido, logo alcançamos o topo da elevação e fomos agraciados por uma vista interessante das adjacências do parque. Ventinho agradável dava uma amenizada no calor, nossa diversão era ver a sombra das nuvens correndo pelos morros à nossa frente e torcendo para chegar até nós. Andamos pela crista do Ovo da Pata até o outro lado. Curti, legal, claro que nem se compara a outros visus aqui em São Paulo mesmo. Ficamos um tempinho por ali, batemos fotos e partimos para a descida. Aqui já escorrega um pouco, muitas pedrinhas e voçorocas. Alguns pedaços de bike espalhados sinalizavam que o tombo foi feio. Zero sombra. Finalmente chegamos à estrada, de um lado uma placa de passagem proibida, do outro a volta da trilha circular. Retornamos e para nossa alegria logo surge um capão com mata fechada. como diria o grande Daryw: "o sol é para todos, a sombra para poucos". Descansamos no conforto térmico da sombra e nos preparamos psicologicamente para a volta.


Retornamos direto, sem escalas, para o quiosque da Siriema. No caminho, naquele calor infernal, tinha um cara correndo em direção ao Ovo da Pata! O brother logo diminuiu, mas foi possível avistá-lo subindo o morro! Cabra macho da porra! Mais alguns andarilhos pelo caminho, cruzamos dois seguranças, um de moto o outro de jipe, e mortos chegamos ao quiosque. Comemos alguns amendoins e enchemos o bucho de água torneiral. Milhares de marimbondos pousando em mim, só para variar. Um casal passou e logo desistiu de continuar até o Ovo da Pata, mulher tava xingando! Descansados continuamos e quando chegou o descampado/aeroporto seguimos pela direita onde desembocamos na Trilha dos Lagos. Muitas fotos, e muitas picadas de trilhas no horizonte. Descemos a escadaria de pneus, alcançamos o lago propriamente dito, e na sequência a Trilha do "Yu-Keri". Seguindo por essa última chegamos à sede do parque e um grande playground.


Bebemos água, finalmente achamos o mapa e fomos tirar umas fotinhos dos prédios da sede, arquitetura de Ramos de Azevedo. Logo na terceira foto sou abordado por um funcionário do parque, dizendo que não eram permitidos registros fotográficos, apenas se fosse para uso pessoal. Parei prontamente, expliquei que poderia apagar se ele quisesse, mas eram fotos para recordação. Então conversamos um pouco, papo vai, papo vem, perguntou se já conhecíamos o parque, aproveitei para falar que sim, blá, blá, blá, ... de repente o cara me reconhece: fui professor dele no curso de monitor ambiental!!! mundo minúsculo! Depois acabei lembrando do nome dele, Anderson, cara gente boa, comprometido com o parque, com a educação ambiental, natureza, muito legal!


Aproveitamos para dar mais um rolê na sede, vimos a coleção de pegadas, ossos, insetos, sementes, etc... depois partimos para a trilha que levava até uma nascente (a trilha do Rio Juquery mesmo), tomamos bastante água numa biquinha e, cansados, nos dirigimos à saída. Encontramos o quartel do corpo de bombeiros e logo passou o bumba que nos deixou na estação Franco da Rocha.


Gostei bastante, mas sem pretensões de retorno a curto prazo, bem melhor do que ficar em casa ou ir rolê no shopping. Vivências que agregam.



Chapada da Diamantina - Vale do Paty 2/4

Zero conforto noturno, acordamos cedo. Mingau de aveia para o bucho e levantamos acampamento. Nossa ideia inicial era ir até o Cachoeirão sem mochilas e voltar para pegar a trilha que desce ao Vale do Paty pela "Rampa". Ponderamos e decidimos ir com as mochilas mesmo, porque queríamos seguir pela rota que descia a fenda em direção ao Vale do Paty. Pelo mapinha parecia ser tranquilo. Aquele gringo perdido não deveria manjar nada.

Uma leve caminhada com o sol bombando e chegamos ao Cachoeirão. Sem dificuldades encontramos a toca onde havia a "janela" voltada para o vale (Cachoeirão) e que daria para ver o nascer do sol. Não era longe, daria para chegar na noite anterior, mas beleza, não sabíamos. Ficamos um bom tempo por ali, brisando no visu. Coisa linda demais. Várias mini quedas eram visíveis ao longo do paredão. O vento trazia algum spray de vapor das cachus, tudo muito bonito. 

Chegou um grupo de gringos com uns guias, estavam do outro lado, mas era nossa deixa para partir. Mala nas costas e começava a epopeia. Inicialmente seguimos as flechas desenhadas nas pedras pelo chão, mas em minutos percebemos algo de muito errado: elas apontavam todas as direções!!! Tipo uma rosa-dos-ventos. Sim, alguém propositadamente alterou todas as indicações, certamente com o intuito de fazer a galera se perder, de não conseguir achar a trilha! Puta maldade. Sem GPS, sem bússola e sem nunca ter estado por ali nos restou apenas o muito enferrujado senso de direção. 


Mas partimos! Tínhamos água, comida, barraca, lanternas e muita disposição. O Carlota foi abrindo caminho, que logo mostrou-se bem complexo. Subidas e descidas, muito sol e pouca sombra. Tentávamos decifrar qual das flechas era nossa amiga, provavelmente as mais desgastadas pelo tempo. Depois de um bom esforço chegamos à um lindo mirante. De um lado o Vale do Paty, do outro o vale onde fica o Cachoeirão. Pausa para descanso, aqui a trilha simplesmente acabava, era a constatação que estávamos perdidos. Retrocedemos para tentar achar outro caminho. Refizemos os passos e nada. Olha daqui, explora dali. Nada. O  Carlota seguiu um vara-mato desenfreado tentando circundar o morro pela esquerda, era a indicação que constava no mapinha. Nada. Nenhuma trilha ou picada. O mapa estava errado! 
  
Voltei ao mirante pois era onde a trilha supostamente acabava. Tinha que estar por ali. Depois de mais algumas buscas arrisquei descer um pouco por uma parte mais aberta do precipício voltada ao Paty. Achamos! Logo nos primeiros metros surgia uma picada beirando o paredão. Seguimos mais aliviados. Carlota sempre na ponteira nos guiou até chegarmos numa toca. Uma pedra no caminho nos impedia de continuar pelo paredão. Havia outro caminho: descendo reto pela encosta! Tenso. Pedras soltas. Respiramos fundo, e fomos descendo aos poucos passando as mochilas com calma. Grudados no paredão que nem lagartixas tivemos, logo no segundo patamar, uma terrível notícia: ali também não havia trilha!

Fez-se silêncio, lembrava do Gatão falando para não irmos por ali porque a trilha não era aberta, era perigoso e tudo mais. Carlota ficou muito nervosa, eu e Muller calados. Na verdade já estava cansado, imaginar voltar tudo até Toca do Gavião me deprimiu de leve. Novamente apelamos para o bom senso e decidimos tentar contornar a pedra lá em cima, só poderia ser por ali a continuação da trilha. Dito e feito. Literalmente escalamos até a toca e, contornando o obstáculo rochoso, encontramos a continuação da trilha. Aqui um fato a se lamentar: quando descemos o precipício, fiquei por último para passar as mochilas para cima. Ao começar a subir, aconteceu uma tentativa de assassinato. O Carlota, já querendo se livrar de mim para sobrar mais comida, e estando alguns metros acima, pisa nas pedras soltas. Uma rocha, do tamanho de uma bola de vôlei (não é exagero), voa em minha direção. Grudado no paredão, me abaixo. A pedra quica 1 cm acima da minha cabeça! Não era minha hora. Depois de 20 anos comecei a reavaliar a amizade. 

Seguimos e alcançamos a mata. Aqui ao invés de melhorar, a trilha piorou. Fomos segurando nos troncos e raízes numa descida sem fim. Joelhos choram. Uma escada de madeira aparece para auxiliar numa escalaminhada. Este é o caminho, certeza. Cansaço. Agora a preocupação é com a luz, há muito já estava entardecendo. Mais alguns obstáculos de pedras e alcançamos o rio. Mapinha em mãos seguimos pela trilha que margeava o curso d'água para a direita. Um inesperado sobe e desce maltrata ainda mais meu pobre corpinho. Metros viram quilômetros de esforço. Lanternas na mão, no céu escuridão. Carlota segue mais adiantado e finalmente encontra a  casa do Jaílson. Glória senhor! Rápida negociação, aportamos por ali.

Ufa! Banho gelado na prefeitura (fica anexa à casa de Jaílson). Compramos mais mantimentos na vendinha do homem. Jantar delicioso. Repetimos o cardápio: macarrão com atum e molho bolonhesa. Divino. De repente chegou mais um grupo. Dois guias e dois casais. Na verdade um casal encontrou/resgatou o outro na trilha. A mina já conhecia o pico e levou o namorado. Amadorismo total, não tinham nem lanterna. Pegaram carona com os guias e se salvaram. A Italiana estranhou nossa refeição, misturar carne de boi com peixe. Galera era tipo vegan. Levaram até batata para cozinhar. Imagina o peso. À noite o casal perdido, e agora bêbados, resolveram copular no quarto ao lado no volume máximo. Como não havia forro e as paredes eram baixas, demoramos para conseguir dormir. 

Caminhada boa. Ticado com muito louvor, curti a aventura, vivências que agregam. Bora dormir que amanhã tem mais.