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Chapada da Diamantina - Vale do Paty 2/4

Zero conforto noturno, acordamos cedo. Mingau de aveia para o bucho e levantamos acampamento. Nossa ideia inicial era ir até o Cachoeirão sem mochilas e voltar para pegar a trilha que desce ao Vale do Paty pela "Rampa". Ponderamos e decidimos ir com as mochilas mesmo, porque queríamos seguir pela rota que descia a fenda em direção ao Vale do Paty. Pelo mapinha parecia ser tranquilo. Aquele gringo perdido não deveria manjar nada.

Uma leve caminhada com o sol bombando e chegamos ao Cachoeirão. Sem dificuldades encontramos a toca onde havia a "janela" voltada para o vale (Cachoeirão) e que daria para ver o nascer do sol. Não era longe, daria para chegar na noite anterior, mas beleza, não sabíamos. Ficamos um bom tempo por ali, brisando no visu. Coisa linda demais. Várias mini quedas eram visíveis ao longo do paredão. O vento trazia algum spray de vapor das cachus, tudo muito bonito. 

Chegou um grupo de gringos com uns guias, estavam do outro lado, mas era nossa deixa para partir. Mala nas costas e começava a epopeia. Inicialmente seguimos as flechas desenhadas nas pedras pelo chão, mas em minutos percebemos algo de muito errado: elas apontavam todas as direções!!! Tipo uma rosa-dos-ventos. Sim, alguém propositadamente alterou todas as indicações, certamente com o intuito de fazer a galera se perder, de não conseguir achar a trilha! Puta maldade. Sem GPS, sem bússola e sem nunca ter estado por ali nos restou apenas o muito enferrujado senso de direção. 


Mas partimos! Tínhamos água, comida, barraca, lanternas e muita disposição. O Carlota foi abrindo caminho, que logo mostrou-se bem complexo. Subidas e descidas, muito sol e pouca sombra. Tentávamos decifrar qual das flechas era nossa amiga, provavelmente as mais desgastadas pelo tempo. Depois de um bom esforço chegamos à um lindo mirante. De um lado o Vale do Paty, do outro o vale onde fica o Cachoeirão. Pausa para descanso, aqui a trilha simplesmente acabava, era a constatação que estávamos perdidos. Retrocedemos para tentar achar outro caminho. Refizemos os passos e nada. Olha daqui, explora dali. Nada. O  Carlota seguiu um vara-mato desenfreado tentando circundar o morro pela esquerda, era a indicação que constava no mapinha. Nada. Nenhuma trilha ou picada. O mapa estava errado! 
  
Voltei ao mirante pois era onde a trilha supostamente acabava. Tinha que estar por ali. Depois de mais algumas buscas arrisquei descer um pouco por uma parte mais aberta do precipício voltada ao Paty. Achamos! Logo nos primeiros metros surgia uma picada beirando o paredão. Seguimos mais aliviados. Carlota sempre na ponteira nos guiou até chegarmos numa toca. Uma pedra no caminho nos impedia de continuar pelo paredão. Havia outro caminho: descendo reto pela encosta! Tenso. Pedras soltas. Respiramos fundo, e fomos descendo aos poucos passando as mochilas com calma. Grudados no paredão que nem lagartixas tivemos, logo no segundo patamar, uma terrível notícia: ali também não havia trilha!

Fez-se silêncio, lembrava do Gatão falando para não irmos por ali porque a trilha não era aberta, era perigoso e tudo mais. Carlota ficou muito nervosa, eu e Muller calados. Na verdade já estava cansado, imaginar voltar tudo até Toca do Gavião me deprimiu de leve. Novamente apelamos para o bom senso e decidimos tentar contornar a pedra lá em cima, só poderia ser por ali a continuação da trilha. Dito e feito. Literalmente escalamos até a toca e, contornando o obstáculo rochoso, encontramos a continuação da trilha. Aqui um fato a se lamentar: quando descemos o precipício, fiquei por último para passar as mochilas para cima. Ao começar a subir, aconteceu uma tentativa de assassinato. O Carlota, já querendo se livrar de mim para sobrar mais comida, e estando alguns metros acima, pisa nas pedras soltas. Uma rocha, do tamanho de uma bola de vôlei (não é exagero), voa em minha direção. Grudado no paredão, me abaixo. A pedra quica 1 cm acima da minha cabeça! Não era minha hora. Depois de 20 anos comecei a reavaliar a amizade. 

Seguimos e alcançamos a mata. Aqui ao invés de melhorar, a trilha piorou. Fomos segurando nos troncos e raízes numa descida sem fim. Joelhos choram. Uma escada de madeira aparece para auxiliar numa escalaminhada. Este é o caminho, certeza. Cansaço. Agora a preocupação é com a luz, há muito já estava entardecendo. Mais alguns obstáculos de pedras e alcançamos o rio. Mapinha em mãos seguimos pela trilha que margeava o curso d'água para a direita. Um inesperado sobe e desce maltrata ainda mais meu pobre corpinho. Metros viram quilômetros de esforço. Lanternas na mão, no céu escuridão. Carlota segue mais adiantado e finalmente encontra a  casa do Jaílson. Glória senhor! Rápida negociação, aportamos por ali.

Ufa! Banho gelado na prefeitura (fica anexa à casa de Jaílson). Compramos mais mantimentos na vendinha do homem. Jantar delicioso. Repetimos o cardápio: macarrão com atum e molho bolonhesa. Divino. De repente chegou mais um grupo. Dois guias e dois casais. Na verdade um casal encontrou/resgatou o outro na trilha. A mina já conhecia o pico e levou o namorado. Amadorismo total, não tinham nem lanterna. Pegaram carona com os guias e se salvaram. A Italiana estranhou nossa refeição, misturar carne de boi com peixe. Galera era tipo vegan. Levaram até batata para cozinhar. Imagina o peso. À noite o casal perdido, e agora bêbados, resolveram copular no quarto ao lado no volume máximo. Como não havia forro e as paredes eram baixas, demoramos para conseguir dormir. 

Caminhada boa. Ticado com muito louvor, curti a aventura, vivências que agregam. Bora dormir que amanhã tem mais.



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